Crise diminui renda e obriga famílias a mudarem hábitos

Em quatro anos, mineiros perderam R$ 369,9 milhões em poder aquisitivo, e os reflexos aparecem

Foto: Mariela Guimarães
Desde 2014, a comida, a mensalidade da escola, o plano de saúde e a conta de luz encareceram muito, mas a renda das famílias diminuiu. Mesmo descontando a inflação, são R$ 369,9 milhões que estavam no bolso dos mineiros há quatro anos e agora não existem mais. A diferença foi calculada comparando a renda média dos trabalhadores do Estado no primeiro trimestre de 2014 à do mesmo período de 2018, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A queda na renda é uma das consequências da turbulência econômica que o país vive há quatro anos: desemprego, salários menores, informalidade crescendo e Produto Interno Bruto (PIB) encolhido. Números da macroeconomia que impactam na vida das pessoas que precisam se adaptar a uma nova realidade pouco depois de um ápice econômico, como irá mostrar a série de reportagens Amargo Regresso, que O TEMPO publica a partir deste domingo (24).
Para o empresário Glayber Soares Diniz, 47, a sensação é de andar para trás. “Estamos começando de novo”, afirma. Ele e a mulher, Flávia Diniz, 43, são sócios em uma representação comercial de alimentos. Eles contam que a empresa fatura hoje o que faturava em 2000.
Com a diminuição da renda, a família Diniz, que ainda conta com o filho Arthur, 6, precisou se adaptar. Na firma, demitiram o motorista, e Glayber assumiu a tarefa. Em casa, venderam um carro e cortaram nos atendimentos do filho, que tem síndrome de Down. “As consultas com fonoaudióloga e psicopedagoga eram realizadas duas vezes por semana; passamos para uma vez cada. Negociamos descontos, trocamos o plano de saúde. Tudo para viabilizar os tratamentos e não ficar a desejar no desenvolvimento dele”, afirma Flávia. “A queda da renda gera uma desorganização financeira que faz as famílias revisarem o orçamento e realizarem mudanças dramáticas, cortes em saúde, educação. Isso acarreta queda na qualidade de vida”, avalia o economista e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Istvan Kasznar.
O engenheiro civil Agnaldo Vieira Chaves, 39, viu seus vencimentos diminuírem pela metade de 2015 para cá, quando a construtora em que trabalhava faliu. “A construção civil foi muito afetada pela crise. Muito difícil achar emprego na área”, diz. Para se manter, Chaves, que é casado e tem uma filha de 16, trabalha como motorista de aplicativo e, no fim de 2017, se cadastrou como avaliador de imóveis da Caixa. “A demanda é baixa porque o crédito (para financiamento de imóveis) está baixo”, afirma. Chaves tem feito cerca de 20 avaliações por mês. “O ideal seria fazer de 35 a 40 para ter uma boa remuneração”, avalia. No tempo que sobra, continua como motorista.
Em casa, cortou despesas. “Tinha dois carros, vendi um; cortei TV a cabo; tirei minha filha da escola particular e levei para a rede pública. Tinha investimentos de renda fixa que já utilizei”, relata. “Achei que tinha conquistado a estabilidade econômica, não me preocupava com as contas, fazia uma ou duas viagens por ano. Hoje, vejo que era ilusão. Meu padrão de vida mudou”, conta Chaves.
Salário parcelado atrapalha

O encolhimento do PIB do país afeta também o Estado – que arrecada menos – e impacta a vida do servidor público. Em Minas Gerais, desde fevereiro de 2016, a categoria convive com o escalonamento dos salários. Para a servidora pública aposentada Marly Aparecida Rezende, 65, o parcelamento também consome sua receita. “O pagamento vem no dia que eles querem, mas o vencimento das contas continua o mesmo. Tenho que pagar as multas de qualquer forma”, reclama. “Recebi o 13º em quatro vezes, e ainda atrasou três, quatro dias”, acrescenta.

Com isso, o sonho de aproveitar a aposentadoria vai sendo adiado. “Não sei o que é ir ao cinema ou ao teatro. Impossível guardar dinheiro. Viajar, então, nem pensar. O dinheiro vai para contas e remédio”, diz Marly.

Para o economista do Dieese Airton dos Santos, a crise nas contas públicas, que envolve dívida alta e a manutenção do déficit primário, são fatores que alongam a situação. “Sem resolver essas questões, não tem como o governo falar em retomada da economia”, afirma. Em âmbito federal, o quadro se repete. Para o economista e reitor do Centro Universitário Unifor, Reginaldo Nogueira, “as ações do governo para resolver a crise econômica não foram suficientes”. “Um novo déficit público, depois de dois anos acontecendo, é um sinal de que o governo não conseguiu solucionar o problema”, completa o professor da FGV Istvan Kasznar.

Ciclo vicioso afeta receita de todos

“A crise me pegou mesmo em 2016. As vendas caíram, clientes fecharam, quem sempre pagou em dia ficou inadimplente. Comecei a trabalhar mais, e sem resultado. Não é falta de esforço, é que não tem cliente”, afirma o empresário Glayber Diniz. Segundo o economista do Dieese Airton dos Santos, quadros como o de Diniz são um sintoma da queda do Produto Interno Bruto (PIB). “Um PIB negativo significa que ficamos todos mais pobres. As empresas e as pessoas. É a economia encolhida”, avalia. Foram dois anos de PIB negativo, -3,5% em 2015 e -3,5% em 2016, e um crescimento discreto, de 1%, no ano passado.

“Passamos por uma crise, em 2015, do crescimento da dívida pública e de confiança. A política ainda não conseguiu resolver nenhuma. Isso acabou com os investimentos públicos – porque o governo não tem dinheiro –, privados e estrangeiros, pois falta confiança”, analisa o economista e reitor do Centro Universitário Unifor, Reginaldo Nogueira.

Fonte: O Tempo
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